A caixa de pandora das fake news
As fake news estão penetrando cada vez mais profundamente as camadas das redes sociais, de maneira inevitável e preocupante. Um novo e pioneiro estudo da revista Science, traz reflexões sobre essas informações que conseguem superar a verdade a qualquer custo.
O termo fake news não é de agora, por mais curioso que pareça ser. Ele data do século XIX, quando os países de língua inglesa se referiam aos boatos de alta circulação. A verdade é que antes mesmo do jornalismo ser prejudicado pelas notícias falsas e da população se ver dividida, diversos escritores da época propagavam falsas informações por meio de comunicados, a fim de prejudicar seus desafetos.
Quem diria que muito tempo depois essa mesma estratégia absurda iria povoar as redes sociais e ser decisiva para o comportamento de tanta gente.
Quem vence no jogo entre a verdade e a mentira?
Especificamente no Twitter, a pesquisa da revista Science analisa as notícias de destaque nas mais de 126.000 mensagens twittadas por mais de 3 milhões de usuários, ao longo de uma década, e revela um dado sombrio, porém, não surpreendente: a verdade não consegue bater de frente com os boatos. É que essa “máquina de disparo de fake news” alcança muito mais pessoas, chama mais atenção e penetra profundamente a rede por se espalharem rapidamente.
Mesmo que estejamos acostumados a ver a fake news conectada à figuras políticas, inclusive como um tipo de estratégia errada, essa forma de espalhar mentiras está também conectada ao cidadão comum e seu comportamento. De acordo com Soroush Vossoughi, um cientista de dados do MIT que estuda notícias falsas desde 2013, os boatos não vêm apenas dos chamados bots, robôs automatizados para disparar fake news pelas redes sociais.
Mas parece que essa situação pode também refletir a natureza humana em sua forma mais simples. Incrivelmente, parece que uma caixa de pandora foi aberta e agora assistimos as fake news brotarem de todas as fontes, o que provoca inevitavelmente, muitas dúvidas.
Se as fake news agora são um problema social, o alerta vermelho foi tocado pelos antropólogos e cientistas em geral. As palavras do grupo de 16 estudiosos lançam uma luz sobre o caminho que devemos seguir: “Precisamos redesenhar nosso ecossistema de informações no século 21 para reduzir a disseminação de notícias falsas e abordar as patologias subjacentes”.
Identificamos o problema, agora precisamos solucioná-lo
Com essas informações aproveitamos para perguntar “Como vamos redesenhar esse chamado ecossistema de notícias e espalhar a verdade?”. Embora os pesquisadores da Science se concentrem inicialmente no Twitter, há algumas reflexões sobre o Facebook, YouTube e outras mídias. Basicamente, qualquer plataforma que amplie informações e seja um terreno fértil para a propagação de mentiras.
Você sabia que, inclusive, um boato impacta inicialmente seis vezes uma média de 1.500 pessoas? Isso porque elas viralizam mais rápido e estimulam o imediatismo das redes. Falando ainda sobre o Twitter, usuários dessa plataforma parecem escolher o compartilhamento das fake news.
Os cientistas analisaram as contas que originaram os rumores, tanto o indivíduo com mais seguidores ou não, perfil verificado e afins, os boatos apresentavam 70% mais chances de serem retuitados. E como mencionamos antes, os bots podem até ter grande responsabilidade no estímulo do comportamento, mas o que se percebeu é que de 2006 para 2016, os pontos de partida em sua maioria, são de pessoas para pessoas.
Um atentado, teorias de conspiração e descontrole
As pesquisas se voltaram para boatos específicos que ocorreram entre os norte-americanos para compreender mais a fundo qual foi o pontapé para as falsidades online e encontraram um acontecimento interessante.
Em 15 de abril de 2013, duas bombas explodiram perto da rota da Maratona de Boston, matando três pessoas e ferindo outras. Uma população chocada e angustiada deu espaço para as teorias de conspiração, que começaram a se espalhar de forma insana no Twitter e em outras mídias.
Ao ponto de que o seu pico ocorreu em 19 de abril, quando o governador de Massachusetts precisou fazer um comunicado a milhões de pessoas, pedindo que elas ficassem em suas casas e deixassem a caçada ao terrorista nas mãos da polícia e sua investigação.
Infelizmente, o pedido não foi suficiente, já que o pavor somado à reclusão da população, encontrou uma “tábua salva-vidas” ao compartilhar ideias sobre o mundo exterior, entre notícias verdadeiras e outras nem um pouco realistas.
Um algoritmo capaz de mapear como as fake news se espalham
Um aluno que focava seus estudos especialmente em mídia social, uniu esforços com Vossoughi, partindo do ponto do que acabara de vivenciar. Foi desenvolvido então, um algoritmo que poderia extrair fatos com maiores chances de serem verdadeiros. Então 3 atributos foram levados em consideração: a propriedade do autor (essa informação foi checada?), o tipo de linguagem e como esse dado se propagava.
Utilizando também sites terceirizados de verificação de notícias, eles encontraram listas com rumores online, que se espalharam durante os 10 anos de estudos. Cruzando todos esses dados com um mecanismo chamado “gnip”, o que encontraram foi: no meio dos boatos haviam partes de um texto ou imagens verdadeiras.
Com isso, é muito mais fácil acreditar e querer compartilhar rapidamente entre os seguidores. Fora que, as fake news parecem mais “frescas”, novas e urgentes do que as notícias reais. A equipe desta pesquisa notou, por exemplo, que tweets de fake news apareciam no feed de um usuário dias antes até receberem todos os retuítes.
Em resumo, esse fator talvez já tenha passado pela cabeça de todos nós quando pensamos sobre fake news. Notícias falsas evocam muita emoção, seja por quem acredita ou por quem repele, sabendo que não são verdadeiras. Tweets de fake news provocam muita surpresa e repulsa, o que gera sua discussão na rede, de acordo com o estudo.
Usuários versus bots
Pode soar polêmico, uma vez que sabemos o poder dos bots como manipulação da opinião pública, mas a pesquisa reforça como são um subconjunto de acontecimentos seguido dos robôs, que realmente são determinantes na divulgação das fake news.
Dave Karpf, cientista político da George Washington University, não refuta sua importância, mas reafirma as informações fornecidas pelo estudo: “Meu palpite é que o artigo será considerado ‘prova científica de que os bots não importam!’ E este artigo realmente mostra isso, se olharmos para toda a vida útil do Twitter. Mas o verdadeiro debate sobre os bots também assume que seu uso aumentou recentemente porque os atores estratégicos despejaram recursos em seu uso.”
Em contraponto a essa pesquisa, as análises levantadas também podem acabar subestimando as notícias que não são contestadas, apenas como falsas. Nielsen, professor de Oxford, explica que o conteúdo dos rumores se espalham rápido sim, mas que é um pouco diferente de dizer que fakes news são maiores que as notícias verdadeiras.
Refletindo sobre o estudo levantado e suas críticas, cientistas políticos dizem que essa reflexão é consistente com dados de várias áreas, como psicologia, comunicação e também envolvem afirmações intuitivas.
Todo mundo pode espalhar alguma fake news
Não há dúvidas ao menos de que as mídias, como Twitter, são extremamente poderosas e exploram a psique humana. E que depois de um dia cansativo, até mesmo o twitteiro mais consciente pode compartilhar uma informação que para ele parece politicamente vantajosa, no desejo de ganhar uma discussão na plataforma.
Saiba como identificar as fake news:
Artigo inspirado na matéria:
The Grim Conclusions of the Largest-Ever Study of Fake News
Jornalista. Amante de porquinhos da índia, leitora voraz de suspense, tem como memes uma religião, na vida é 50% bons drinks, 50% séries e filmes.